8 razões pra assistir Orphan Black.

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Tenho um amigo que diz que dramas britânicos, pra TV ou pro cinema, são sempre, no mínimo, muito bem feitos, quando não muito divertidos. A prova tá aí: Sherlock, Dr. Who, The Woman in Black, etc. Tudo bem que Orphan Black não é exatamente um drama britânico, já que é produzido no Canadá, mas sendo distribuído pela BBC nos EUA, contém uma porção de elementos que bem poderiam figurar numa série da TV da terra do nenê blasé real.

Esse é o grande trunfo da série que se vale da receita popular que tornou icônicas algumas séries de sucesso como Lost e Alias, mas ao contrário das produções do J.J. Abrams, Orphan Black se vale do elemento Cut to the Chase e não te enrola com obscurantismos desnecessários e que tornam os arcos narrativos longos demais e que apenas existem para serem fillers de temporada.

Em Orphan Black somos transportados já na primeira sequência à plataforma de trem onde Sarah Manning – uma golpista britânica que volta ao Canadá pra reatar as relações e convencer sua mãe adotiva Mrs. S. (uma irlandesa misteriosa) a ceder a guarda de sua filha Kira – se vê face a face com uma doppelgänger que pula na frente de um trem bem no momento em que Sarah vê que as duas são iguais.

Esse começo perfeito em ação e mistério mostra exatamente o que é a série: um trem em alta velocidade, no bullshit, indo direto ao espectador como um clone corre para o outro tentando provar que é apenas sua imagem no espelho. É uma ficção científica da melhor qualidade. Orphan Black não é nenhum True Detective com sua fina linha de autoindulgente metaficção criando terrenos de exploração com pás conhecidas e adoradas, mas sim a própria pá, ou seja, a forma clássica e adorada de um bom show de ação sem os longos clichés do esgotamento comercial do formato.

O simples fato de ser uma produção canadense de um formato americano de TV aberta com influências das boas séries britânicas já é um grande motivo em primeiro lugar, mas é sempre bom lembrar que isso significa palavrões permitidos (não todos, a f-word é apenas mencionada como f this, f that, mas shit tá liberado), sangue (mesmo que de cgi), um grau de informação do que é o resto do mundo (até o contexto Thatcher é citado, I’m impressed) e uma linha narrativa preocupada mais com a história do que com os espaços vazios na grade da programação da CBS.

Se não bastar essa exagerada pictoresca explicação minha, ficam aqui mais 8 razões:


1. Tatiana Maslany. (autoexplicativo)

1.1. Tatiana Maslany de policial executiva.

1.2. Tatiana Maslany com sotaque sexy alemão e ruiva.

1.3. Tatiana Maslany de Soccer Mom.

1.4. Tatiana Maslany bióloga sexysmart de dreads (e óculos!).

1.5. Tatiana Maslany de Loira psicopata do mal.

1.6. Tatiana Maslany de Evilmistress com sotaque received pronounciation

1.7. Tatiana Maslany de novo, tá pouco de Tatiana Maslany, manda mais!

2. Clones. (ou seja, Tatiana Maslany sendo uma atriz fenomenal interpretando seis personagens ao mesmo tempo.)

3. Jordan Gavaris como Felix, o irmão adotivo de Sarah, que é o sidekick mais legal que você vai ver. Além de ser um personagem gay e provocativo, Felix é um artista e o comentarista mordaz e irônico da série.

4. Sotaques, muitos sotaques! (britânico, alemão, francês, americano, irlandês, sulafricano, todos bem colocados, não tem só América no mundo pipou!).

5. Poucos episódios com muita consistência (43 minutos não precisam de 24 episódios por temporada, por favor aprendam).

6. Ação e cliffhangers  sem nem um pingo de obviedade e mesmice (uma cena de ação em que alguém tem que escolher em quem atirar pode sim terminar com todo mundo vivo e ser genial).

7. Uma trilha genial e a melhor música de abertura de um show popular desde House (Two Fingers e Trevor Yuile, guardem bem o nome).

8. A protagonista é uma mulher, que são várias e que são, cada uma a sua maneira, fortes e independentes e chutam o rabo de muito malandro e não deve nada pra nenhum dos caras, o que faz de Orphan Black uma série um tanto feminista. (O que nos faz lembrar, Tatiana Maslany…)  

 

5 canções geniais do The National que nem tanta gente conhece.

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O The National é uma banda de hits. Os músicos de Cincinatti no estado americano de Ohio já tiveram até uma de suas canções veiculada non stop numa das campanhas presidenciais de Barrack Obama e com quase 15 anos de estrada a banda já lançou seis discos de estúdio e dois EPs que contém entre eles alguns dos grandes hinos do indie rock dos anos 2000 como All the Wine, Apartment Story, Mistaken for Strangers, Blodbuzz Ohio, Conversation 16, Graceless, entre outros. Mas nos últimos tempos a maturidade tem feito que a banda, que lançou seu primeiro disco quando todos os integrantes já tinham trinta anos de idade ou mais, alçar voos mais ousados ao mesmo tempo em que cresce em popularidade.

Enquanto se estabelece como um nome clássico do rock americano, o The National provoca frisson com seu status de art rock levado ao limite, como na exposição do artista islandês Ragnar Kjartansson, A Lot of Sorrow, que buscou inspiração na canção do aclamado disco High Violet de 2010 e mostrava uma instalação no museu de arte moderna novaiorquino MoMA onde a banda tocou Sorrow durante seis horas seguidas.

Eles transitam entre o sucesso comercial e crítico justamente por que são uma banda que encorporam todos os elementos que as duas vertentes buscam. Assim como nas letras dos Smiths (eu tenho a teoria de que o National é um Smiths hétero) as do National se apoiam numa superexposição com efeitos catárticos em quem ouve, suportada por batidas desajeitadas e eletrizantes, e rodeadas por arranjos obscuros e contagiantes dos vários instrumentos que a banda experimenta em sua música. A voz de barítono de Matt Berninger, assim como a de seu ídolo Morrissey, vem abrilhantar com um melodrama certeiro as agruras e o tédio de uma classe média educada demais, politizada demais e autoconsciente demais.

Essa combinação de elementos empolga ao ponto de atingirem o coração de uma maioria ao mesmo tempo em que escondem pérolas excêntricas, mas não menos geniais, em sua discografia. Selecionei cinco dessas pérolas para discutir aqui, algumas até um tanto conhecidas, figurando em muitos shows da banda, e outras nem tanto, todas de discos de estúdio e nenhuma de b-side obscuro, apenas canções que você pode não ter percebido muito bem:


1) Humiliation. A décima primeira canção do disco mais longo da banda (Trouble Will Find Me, de 2013) é uma pérola escondida entre canções que empolgam mais de cara como I Need My Girl, Don’t Swallow the Cap Graceless, mas até que tem figurado nos últimos shows da banda. Pontuada por uma batida quase matemática, a canção vai recebendo os elementos que a compõe aos poucos, primeiro com os acordes em pedal dos efeitos de teclado, depois com o baixo que lhe concede mais peso e as “raspadinhas” em palm mute da guitarra que também desfere alguns licks johnnymarrianos abrindo terreno para o hammond tomar conta da sonoridade ao final, enquanto a melodia cantada vai perdendo sua característica redundante pra dar lugar ao coro da letra que define a perfeita dialética de forma e conteúdo do tema da canção. 

Under the whithering white skies of humiliation é a letra que fecha o refrão da canção como um estatuto de uma tese. O desconforto de quem sobrevive a jantares (“I survived the dinner”, verso que abre a canção) e que se morresse nesse instante provavelmente só figuraria uma lista (“If I die this instant / Taken from a distance / They would probably list it down / Among other things ’round town”) é a catarse da ameaça branca (the white menace, mais conhecido como tédio), bem representada no coro com a letra “She wore blue velvet / Said she can’t help it.

2) Lemonworld. É difícil encontrar uma música não tão conhecida no High Violet. O disco arrebatou a banda para outras paradas de sucesso, mas talvez sua sétima canção seja aquela daquele disco famoso que você ouve sempre, mas nunca lembra o nome. Para mim, é uma das favoritas do disco com sua introdução de levada de violão com harmônicos de guitarra dando a entender um hit pop, mas cuja melodia cantada apenas reproduz o tédio da vida comum (assim como em humiliation acima).

“Losing my breath, dododododo” é refrão da canção que encena uma autoanálise sobre os sentimentos de alguém que está cansado ou entediado demais prum encontro de família (“you and your sister live in a lemonworld / I wanna sit here and die”). O tema é corriqueiro e banal, mas a catarse do dododododo é carregada de ironia e efetividade.

3) Thirsty. É talvez uma das canções mais bonitas e clássicas do The National. Possivelmente muito executada nos primórdios da banda, já que faz parte de seu segundo disco (Sad Songs for Dirty Lovers de 2003), é uma canção country que ainda tem muito do formato canção que a banda se valeu muito no primeiro disco e que foi abandonando pelos discos, apostando nas músicas que terminam abruptamente geniais como um episódio de Sopranos. Thirsty tem uma melodia acompanhada por um clássico dedilhado de guitarra apoiado por uma batida sincopada de bumbo e vassourinha na caixa. Culmina na repetição até o fim do verso mais importante da canção.

I don’t have a hawk in my heart, no dumbass dove in my dumbass brain. Não possuo um falcão em meu coração nem um pombo estúpido no meu cérebro estúpido. A letra não importa tanto, já que nem é tão longa assim (talvez quem sabe os versos em que Matt diz ter percebido que não é uma princesa?), mas a repetição desse verso enfatiza a vontade não atendida de alguém que está “sedento” nem que seja por um refrão que se repita ad nauseam. A náusea aqui reproduz o moto perpetuo das canções tristes para amantes sujos que o disco sugere. A imperfeição, a sede, a vontade de tudo.

4) City Middle. Para mim essa é a canção mais representativa do tema muito abordado no disco Alligator  de 2005. É uma balada no melhor estilo The National, pequenas progressões dedilhadas de guitarra e uma melodia circular de canção popular culminando num coro sem letra, tudo cantado numa oitava mais baixa, causando a estranheza e, no caso, enfatizando a ansiedade do narrador.

I think I’m like Tennessee Williams, I wait for the click, I wait, but it doesn’t kick in. O que eu acho curioso nessa letra é como a ansiedade é transfigurada na repetição dos versos que citam cidades e carros e urbanidade. No verso apontado, Matt cita o dramaturgo americano Tennesee Williams conhecido pela peça de 47 A Streetcar Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo) que foi adaptada para o cinema em 51 pelo excelente diretor Elia Kazan, com Marilyn Monroe e Marlon Brando, e cuja temática é justamente o desconforto suburbano das relações sociais. Na verdade, a citação lembra outra peça de Williams, a Cat on a Hot Tin Roof (Gata em Teto de Zinco Quente) que também virou filme, onde um personagem sempre espera pelo “click”. A ansiedade do narrador parece ser aplacada em lugares onde tudo é “common versus common” como nas lembraças esquisitas que tem da Karen, sua interlocutora, onde ela parece mijar numa pia. O prosaico sugerido na ansiedade disso tudo é o que torna a melodia genial dessa canção.

5) Guest Room. Essa canção do quarto disco da banda (Boxer, de 2007) repete alguns versos do disco, técnica que parece pontuar a obra prima da banda e caracterizar a intertextualidade entre suas canções. A canção é, como grande parte do disco, bem melodiosa e fácil de cantar e, mais uma vez, Matt usa de sua voz de barítono pra ironizar com melodrama a futilidade do desconforto do conforto, dessa vez problematizado pela temática de Boxer que é a passagem do tempo e a depressão causada pela frustração mais do que premeditada da luta contra ele.

We miss being ruffians / going wild and bright In the corners of front yards / getting in and out of cars / We miss being deviants.” o termo rufiões, que será utilizado em Racing Like a Pro mais tarde no disco é o que Matt escolheu pra definir com ironia aquilo que define uma massa de pessoas encalacradas no próprio conforto de um status bem sucedido e entediado da vida. Da perspectiva de um homem branco de classe média, all buttoned up como o próprio Matt define, o movimento de ironizar a futilidade dessa vida (pós) moderna é um mea culpa cínico e desesperado. Nesse ponto, as letras do National são extremamente Baudelairianas. O frugal da vida (pós) moderna em situações ridículas super expostas como o próprio Matt diz no verso desta canção: “They’ll find us here / here in the guest room / where we’ll throw money at each other and cry, oh my” são de fato o Guest Room para essa catarse estranhamente deliciosa.