O The National é uma banda de hits. Os músicos de Cincinatti no estado americano de Ohio já tiveram até uma de suas canções veiculada non stop numa das campanhas presidenciais de Barrack Obama e com quase 15 anos de estrada a banda já lançou seis discos de estúdio e dois EPs que contém entre eles alguns dos grandes hinos do indie rock dos anos 2000 como All the Wine, Apartment Story, Mistaken for Strangers, Blodbuzz Ohio, Conversation 16, Graceless, entre outros. Mas nos últimos tempos a maturidade tem feito que a banda, que lançou seu primeiro disco quando todos os integrantes já tinham trinta anos de idade ou mais, alçar voos mais ousados ao mesmo tempo em que cresce em popularidade.
Enquanto se estabelece como um nome clássico do rock americano, o The National provoca frisson com seu status de art rock levado ao limite, como na exposição do artista islandês Ragnar Kjartansson, A Lot of Sorrow, que buscou inspiração na canção do aclamado disco High Violet de 2010 e mostrava uma instalação no museu de arte moderna novaiorquino MoMA onde a banda tocou Sorrow durante seis horas seguidas.
Eles transitam entre o sucesso comercial e crítico justamente por que são uma banda que encorporam todos os elementos que as duas vertentes buscam. Assim como nas letras dos Smiths (eu tenho a teoria de que o National é um Smiths hétero) as do National se apoiam numa superexposição com efeitos catárticos em quem ouve, suportada por batidas desajeitadas e eletrizantes, e rodeadas por arranjos obscuros e contagiantes dos vários instrumentos que a banda experimenta em sua música. A voz de barítono de Matt Berninger, assim como a de seu ídolo Morrissey, vem abrilhantar com um melodrama certeiro as agruras e o tédio de uma classe média educada demais, politizada demais e autoconsciente demais.
Essa combinação de elementos empolga ao ponto de atingirem o coração de uma maioria ao mesmo tempo em que escondem pérolas excêntricas, mas não menos geniais, em sua discografia. Selecionei cinco dessas pérolas para discutir aqui, algumas até um tanto conhecidas, figurando em muitos shows da banda, e outras nem tanto, todas de discos de estúdio e nenhuma de b-side obscuro, apenas canções que você pode não ter percebido muito bem:
1) Humiliation. A décima primeira canção do disco mais longo da banda (Trouble Will Find Me, de 2013) é uma pérola escondida entre canções que empolgam mais de cara como I Need My Girl, Don’t Swallow the Cap e Graceless, mas até que tem figurado nos últimos shows da banda. Pontuada por uma batida quase matemática, a canção vai recebendo os elementos que a compõe aos poucos, primeiro com os acordes em pedal dos efeitos de teclado, depois com o baixo que lhe concede mais peso e as “raspadinhas” em palm mute da guitarra que também desfere alguns licks johnnymarrianos abrindo terreno para o hammond tomar conta da sonoridade ao final, enquanto a melodia cantada vai perdendo sua característica redundante pra dar lugar ao coro da letra que define a perfeita dialética de forma e conteúdo do tema da canção.
“Under the whithering white skies of humiliation“ é a letra que fecha o refrão da canção como um estatuto de uma tese. O desconforto de quem sobrevive a jantares (“I survived the dinner”, verso que abre a canção) e que se morresse nesse instante provavelmente só figuraria uma lista (“If I die this instant / Taken from a distance / They would probably list it down / Among other things ’round town”) é a catarse da ameaça branca (the white menace, mais conhecido como tédio), bem representada no coro com a letra “She wore blue velvet / Said she can’t help it“.
2) Lemonworld. É difícil encontrar uma música não tão conhecida no High Violet. O disco arrebatou a banda para outras paradas de sucesso, mas talvez sua sétima canção seja aquela daquele disco famoso que você ouve sempre, mas nunca lembra o nome. Para mim, é uma das favoritas do disco com sua introdução de levada de violão com harmônicos de guitarra dando a entender um hit pop, mas cuja melodia cantada apenas reproduz o tédio da vida comum (assim como em humiliation acima).
“Losing my breath, dododododo” é refrão da canção que encena uma autoanálise sobre os sentimentos de alguém que está cansado ou entediado demais prum encontro de família (“you and your sister live in a lemonworld / I wanna sit here and die”). O tema é corriqueiro e banal, mas a catarse do dododododo é carregada de ironia e efetividade.
3) Thirsty. É talvez uma das canções mais bonitas e clássicas do The National. Possivelmente muito executada nos primórdios da banda, já que faz parte de seu segundo disco (Sad Songs for Dirty Lovers de 2003), é uma canção country que ainda tem muito do formato canção que a banda se valeu muito no primeiro disco e que foi abandonando pelos discos, apostando nas músicas que terminam abruptamente geniais como um episódio de Sopranos. Thirsty tem uma melodia acompanhada por um clássico dedilhado de guitarra apoiado por uma batida sincopada de bumbo e vassourinha na caixa. Culmina na repetição até o fim do verso mais importante da canção.
“I don’t have a hawk in my heart“, no dumbass dove in my dumbass brain. Não possuo um falcão em meu coração nem um pombo estúpido no meu cérebro estúpido. A letra não importa tanto, já que nem é tão longa assim (talvez quem sabe os versos em que Matt diz ter percebido que não é uma princesa?), mas a repetição desse verso enfatiza a vontade não atendida de alguém que está “sedento” nem que seja por um refrão que se repita ad nauseam. A náusea aqui reproduz o moto perpetuo das canções tristes para amantes sujos que o disco sugere. A imperfeição, a sede, a vontade de tudo.
4) City Middle. Para mim essa é a canção mais representativa do tema muito abordado no disco Alligator de 2005. É uma balada no melhor estilo The National, pequenas progressões dedilhadas de guitarra e uma melodia circular de canção popular culminando num coro sem letra, tudo cantado numa oitava mais baixa, causando a estranheza e, no caso, enfatizando a ansiedade do narrador.
“I think I’m like Tennessee Williams, I wait for the click, I wait, but it doesn’t kick in“. O que eu acho curioso nessa letra é como a ansiedade é transfigurada na repetição dos versos que citam cidades e carros e urbanidade. No verso apontado, Matt cita o dramaturgo americano Tennesee Williams conhecido pela peça de 47 A Streetcar Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo) que foi adaptada para o cinema em 51 pelo excelente diretor Elia Kazan, com Marilyn Monroe e Marlon Brando, e cuja temática é justamente o desconforto suburbano das relações sociais. Na verdade, a citação lembra outra peça de Williams, a Cat on a Hot Tin Roof (Gata em Teto de Zinco Quente) que também virou filme, onde um personagem sempre espera pelo “click”. A ansiedade do narrador parece ser aplacada em lugares onde tudo é “common versus common” como nas lembraças esquisitas que tem da Karen, sua interlocutora, onde ela parece mijar numa pia. O prosaico sugerido na ansiedade disso tudo é o que torna a melodia genial dessa canção.
5) Guest Room. Essa canção do quarto disco da banda (Boxer, de 2007) repete alguns versos do disco, técnica que parece pontuar a obra prima da banda e caracterizar a intertextualidade entre suas canções. A canção é, como grande parte do disco, bem melodiosa e fácil de cantar e, mais uma vez, Matt usa de sua voz de barítono pra ironizar com melodrama a futilidade do desconforto do conforto, dessa vez problematizado pela temática de Boxer que é a passagem do tempo e a depressão causada pela frustração mais do que premeditada da luta contra ele.
“We miss being ruffians / going wild and bright In the corners of front yards / getting in and out of cars / We miss being deviants.” o termo rufiões, que será utilizado em Racing Like a Pro mais tarde no disco é o que Matt escolheu pra definir com ironia aquilo que define uma massa de pessoas encalacradas no próprio conforto de um status bem sucedido e entediado da vida. Da perspectiva de um homem branco de classe média, all buttoned up como o próprio Matt define, o movimento de ironizar a futilidade dessa vida (pós) moderna é um mea culpa cínico e desesperado. Nesse ponto, as letras do National são extremamente Baudelairianas. O frugal da vida (pós) moderna em situações ridículas super expostas como o próprio Matt diz no verso desta canção: “They’ll find us here / here in the guest room / where we’ll throw money at each other and cry, oh my” são de fato o Guest Room para essa catarse estranhamente deliciosa.